Tendo à frente mais uma usina de
incertezas, que vão de novas despesas multibilionárias até o fantasma de
racionamento em 2015, associações do setor elétrico pretendem compilar
propostas para um "acordão" com o governo em torno de medidas para superar
a crise de energia. As sugestões vão ser formuladas, nos próximos dias, por um
conjunto de 12 entidades empresariais e levadas em seguida à Casa Civil.
Em
linhas gerais, a ideia é repetir duas "soluções negociadas" do
passado, que ocorreram em momentos delicados. Para zerar as dívidas em cascata
que desorganizavam completamente o segmento, a Lei Eliseu Rezende - assim
batizada em homenagem ao então presidente da Eletrobras - promoveu um
megaencontro de contas em 1993, que só foi possível graças a aporte de US$ 27
bilhões do Tesouro Nacional.
Em
2001, ano do racionamento, foi firmado o Acordo Geral do Setor Elétrico. Esse
acerto normalizou as relações entre os agentes do mercado, que haviam entrado
em uma série de disputas entre si, e criou uma "recomposição
tarifária" paga pelos consumidores. Nos dois episódios, a volta da
normalidade permitiu o engavetamento de várias ações judiciais que estavam
travando o funcionamento do setor, como tem ocorrido nos últimos meses.
"A
situação de hoje é mais grave. Não temos como suportar o futuro sem um novo
grande acordo", diz o presidente da Associação Brasileira dos Investidores
em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel, lembrando que a conta da
crise já ultrapassa R$ 100 bilhões desde 2012. Indenizações às empresas que
aderiram ao pacote de renovação antecipada das concessões, gastos com o
acionamento intensivo das usinas térmicas e a sequência de socorros financeiros
às distribuidoras estão na fatura.
Menel
coordena o fórum das associações do setor elétrico, composto por 12 entidades,
que deverá compilar um conjunto de propostas nesta semana. Um dos pleitos será
revisar imediatamente a "garantia física" das hidrelétricas. Na
prática, a garantia física é uma espécie de certificado que define quantos
megawatts uma usina pode efetivamente vender no mercado, com base na geração
média verificada em anos anteriores. Mas esse número não é atualizado desde
2003 e há quem veja nisso uma das raízes da crise atual - as usinas têm
produzido, na vida real, menos do que o previsto e abrem um "buraco"
permanente na operação do sistema.
O
baixo rendimento das hidrelétricas é justamente uma das hipóteses levantadas
por especialistas para explicar o acelerado esvaziamento dos reservatórios nos
últimos três anos. Apesar de chuvas abaixo do normal, é errado atribuir à
estiagem todos os problemas do setor, segundo Luiz Augusto Barroso, diretor da
consultoria PSR. "Essa história não cola. No triênio 2012-2014, choveu 88%
da média de longo termo. Não foi exatamente bom, mas é apenas o 16º pior
registro, em 84 anos de série histórica."
Em
uma apresentação a executivos e investidores na sexta-feira, durante um
encontro do setor elétrico em Mata de São João (BA) acompanhado pelo Valor,
Barroso fez suas primeiras estimativas sobre as chances de racionamento em
2015. Considerando o uso pleno das térmicas e redução das vazões nos rios
federais, a fim de economizar água nos reservatórios, há 19% de risco de
racionamento (um déficit de pelo menos 4% da demanda). Foram analisados 1.200
cenários hidrológicos.
Uma
das principais diferenças com as simulações do governo, conforme explica
Barroso, é que o baixo rendimento das usinas precisa ser levado em conta. Ele
só faz uma ressalva importante: "Estamos no início do período úmido e é o
pior momento para fazer esse tipo de previsão." Destaca, no entanto, que
em igual período do ano passado as projeções indicavam risco de apenas 6% em
2014. Ou seja, dessa vez a temporada de chuvas começa muito mais pressionada.
O
consultor Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, aponta a repetição de outro
problema em 2015. Para ele, as usinas hidrelétricas vão ter uma nova conta de
R$ 15 bilhões com o déficit na geração de energia, por causa da queda nos
reservatórios. Neste ano, a fatura deve ficar entre R$ 20 bilhões e R$ 25
bilhões. Quando produzem menos eletricidade do que suas obrigações contratuais,
precisam recorrer ao mercado de curto prazo para repor o fornecimento. Como os
preços atingiram valor recorde nos últimos meses, a conta disparou.
No
ano que vem, a despesa das hidrelétricas deve ser amenizada com a redução do
valor máximo do megawatt-hora no mercado de curto prazo, que a Aneel reduziu de
R$ 822 para R$ 388. Mesmo assim, o déficit na geração das usinas deve
corresponder a 8% de tudo o que elas deveriam produzir, segundo Santana.
"Haverá uma conta de R$ 15 bilhões, que seria muito maior, se a agência
não tivesse feito a mudança."
Para
o ex-diretor, uma das distorções vistas atualmente no setor é que a fatura
acumulada pelo déficit hídrico - nos anos de 2014 e 2015 - já supera o valor de
mercado das próprias geradoras. "As perspectivas são sombrias."
Queixando-se
da falta de interlocução com o Ministério de Minas e Energia, as associações
buscam agora um canal direto com a Casa Civil, mas prometem virar a página das
lamentações e dar sua contribuição. "Não adianta chorar o leite derramado.
Todos teremos que ceder um pouco para salvar o setor", diz Menel.
O
sócio do BTG Pactual e presidente do conselho da Associação Brasileira de
Comercializadores de Energia (Abraceel), Oderval Duarte, reforça o apelo por
mais diálogo entre governo e iniciativa privada. "Mas é fundamental
reconhecer que o setor elétrico está doente", afirma.
Fonte: https://www1.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?cod=1006490